terça-feira, 6 de março de 2018

ASSUNTO DIVERSO: 13 REASONS WHY E BALEIA AZUL: O PERIGO DO EFEITO WERTHER


Temos que falar do suicídio. Mas de maneira acertada. Sem ser por jogos medonhos nem por séries romantizadas.

Em geral os transtornos psiquiátricos são alvo de grande preconceito. Para combater o estigma, o que se preconiza é informação. As pessoas precisam saber sobre depressão, sobre ansiedade, pânico, TOC. Pois muitas delas sofrem com tais doenças e não procuram ajuda, por medo de se sentirem estigmatizadas.

A demora média para que uma pessoa com TOC busque atendimento é de oito anos, por exemplo. Informação é uma ferramenta essencial e imprescindível. No entanto, faz-se necessário que essa informação seja exata. Precisa. Caso contrário, ela pode até aumentar o preconceito. Por isso, quando se fala ao público sobre transtornos psiquiátricos, há que se ter certo cuidado para se oferecer a informação correta. Em um caso específico esse cuidado tem de ser redobrado: quando se fala sobre suicídio.

Por qual motivo? Pelo que se denomina de Efeito Werther.

Werther era um personagem de um romance de Goethe — Os sofrimentos do jovem Werther — que acaba se matando com um tiro na cabeça durante a trama. Observou-se que após o lançamento do livro, no século 18, ocorreu uma onda de suicídios de jovens utilizando o mesmo método. Pessoas mimetizando a morte autoinfligida do personagem de Goethe.

O livro foi banido em alguns países por conta desse efeito. Quando um caso de suicídio é amplamente divulgado, há o risco de aumento na incidência desse evento, cometido por outras pessoas utilizando o mesmo método. As pessoas podem se identificar com a personagem ou com o suicida célebre. Para quem tiver interesse no assunto, outros termos para isso são copycat suicide e cluster suicide.

Por que isso ocorre? Há várias teorias sobre o assunto. Uma delas: um dos primeiros estudos sobre o suicídio foi feito pelo sociólogo Emile Durkheim. Em sua magistral obra O Suicídio (vale a leitura), ele explica que uma das forças que impede o indivíduo susceptível de se matar é a sociedade.

Quando os laços com a sociedade são frouxos, em momentos de guerra ou de crise econômica por exemplo, o indivíduo se vê menos inserido no meio em que vive. Ou seja, mais a sós com os seus fantasmas. E isso pode aumentar o risco de suicídio em pessoas vulneráveis.

É por isso que relatos glamurosos de suicídio são evitados; notícias de suicídios são tratadas com muita cautela na mídia. Pois se há a percepção de que pessoas nesta sociedade, sociedade que deveria nos manter conectados uns aos outros, estão se matando, o desejo de fazer o mesmo pode aumentar nos mais fragilizados, conforme Durkheim.

O que fazer? O assunto deve ser tratado, mas com informações corretas, sem glamurização, sob o risco de induzir o efeito Werther. E há também que se ter uma rede de saúde mental preparada para isso.

Não dá para se cutucar o tabu do suicídio sem que tenhamos uma rede capaz de absorver a demanda que ocorrerá após isso. E, sobretudo, o assunto tem que ser abordado juntamente com um trabalho de combate ao preconceito atrelado às doenças psiquiátricas.

A população tem que entender que depressão não é frescura, não é preguiça. Que ansiedade não é frescura, não é "falta do que fazer". E que boa parte das tentativas de suicídio não são "só para chamar a atenção". Estas coisas são doenças.

Está provado cientificamente que o cérebro sofre alterações orgânicas nestes estados. É coisa que acontece no corpo, na cabeça, biologicamente. Há tratamento, e o mesmo tem de ser feito.

Bom, e sobre a Baleia Azul e o seriado 13 Reasons Why? Algumas poucas palavras: para mim são coisas que têm como público-alvo uma população onde há classicamente uma vulnerabilidade maior para o suicídio, que são os adolescentes.

A Baleia Azul envolve mistério, risco, desafio, coisas que estão muito em voga nesta fase da vida. Pode até ser que tenha começado como lenda urbana. Brincadeira de muito mau gosto pois pessoas podem levar isso a sério (algumas levaram, vejam o noticiário).

Já o seriado trata de questões muito importantes desta época, como por exemplo o bullying no colégio, as frustrações com as relações, machismo, imaturidade e transição criança-adulto etc. Nisso acerta (e muito). Mas erra com a questão do suicídio. Não há como negar que há todo um charme macabro na ideia da elaboração das fitas, no nome do seriado, e no jogo que a adolescente envolve as personagens. O suicídio não pode ser abordado desta forma.

Temos que falar do suicídio. Mas de maneira acertada. Sem ser por jogos medonhos nem por séries romantizadas.


Psiquiatra, é coordenador de pesquisas no Hospital de Clínicas de SP

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