quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Cortiços: o mercado habitacional de exploração da pobreza

Num estudo de 1998 [1] sobre o rendimento obtido nas locações e sublocações de cortiços localizados no bairro da Luz (aqui delimitado pela avenida Tiradentes, rua Mauá e avenida do Estado), pôde-se verificar a grande exploração que se dá no mercado de locação de cortiços, confirmando informações de outras pesquisas que demonstravam que paga-se caro para morar muito mal. Nesse perímetro, foram encontrados 92 imóveis utilizados como cortiços, onde residiam 765 famílias, com o valor médio de locação de R$ 13,2 por m2, valor que representava mais que o dobro que o de moradias unifamiliares com boas condições de habitabilidade localizadas no Centro.

Foi verificado que enquanto no mercado formal o valor mensal do aluguel representava cerca de 0,8% do valor do imóvel, nos cortiços pesquisados o explorador chegava a arrecadar mensalmente até 3,25% do valor do imóvel. O mais grave é que o percentual do rendimento crescia quanto maior fosse a precariedade do cortiço.

Em 2012, passados 14 anos, nova pesquisa [2] na mesma área com os 92 cortiços pesquisados em 1998 verificou que 44 imóveis (48%) deixaram de ser utilizados como cortiços e 48 imóveis (52%) mantiveram esse uso. Além desses, mais 56 imóveis passaram a ser utilizados como cortiços, totalizando 104 cortiços na área, um aumento de 13% em relação a 1998. Verificou-se também um maior adensamento: o número de famílias passou de 765 para 995, um crescimento de 30%. Esse resultado pode ser indicativo de um dos motivos que justifica o crescimento positivo dos distritos centrais, conforme o Censo IBGE 2010, que desde a década de 1980 vinham apresentando taxa negativa de crescimento.

Outros aspectos bastante relevantes encontrados na pesquisa atual são: crescimento da escolarização dos moradores, grande número de famílias de origens paraguaia e boliviana e altos valores cobrados na locação das moradias. É interessante observar que, por causa da irregularidade da documentação dos estrangeiros, o valor da locação é maior para os bolivianos e mais alto ainda para os paraguaios; algumas famílias estrangeiras pagam R$ 700 por pequenos cubículos. Se levarmos em conta o metro quadrado, concluímos que o valor da locação de moradia em cortiços, que em média possuem 12 m², continua sendo o mais alto da cidade de São Paulo.

Vale destacar um aspecto relevante apontado pela pesquisa de 2009 [3]: os resultados escolares apontaram que as crianças moradoras em cortiços possuíam quatro vezes mais chances de serem reprovadas quando comparadas com outros alunos da mesma série. A falta de espaço para dormir adequadamente, a insalubridade das moradias sem janelas, a rotatividade habitacional e a porta de entrada sempre aberta atingem diretamente o desempenho escolar das crianças. Ficou evidente que as condições precárias da moradia eram fatores de limitação para os estudos e geradoras de discriminação e segregação social e, consequentemente, de evasão escolar.

Um aspecto fundamental a ser apontado é que os trabalhadores de baixa renda tornam-se reféns dos exploradores de cortiços na medida em que buscam locais mais favoráveis ao trabalho ou próximos dos benefícios produzidos pela cidade.

Por outro lado, os moradores de cortiços tornaram-se importantes atores sociais quando formaram movimentos para reivindicar o direito à moradia digna no centro da cidade e, principalmente, quando utilizaram a estratégia de ocupar edifícios vazios. Isso porque denunciam a falta de política de habitação de interesse social para as áreas centrais da cidade e expõem as contradições do setor imobiliário, que deixa os imóveis abandonados sem função social aguardando valorização.

Apesar da luta e mobilização empreendidas nos últimos 20 anos, pode-se afirmar que as inúmeras expressões da precariedade das moradias, o comprometimento de grande parcela da renda e a segregação social que sofrem seus moradores são fatores que fazem com que os cortiços sejam um fator para reprodução da pobreza e ampliação da desigualdade social.

[1] KOHARA, Luiz Tokuzi. Rendimentos obtidos na locação e sublocação de cortiços: estudo de casos na área central da cidade de São Paulo. Dissertação de Mestrado. São Paulo: EP USP, 1999.

[2] Pesquisa de Pós-Doutorado FAU/FAPESP de Luiz T. Kohara (em andamento).

[3] KOHARA, Luiz Tokuzi. Relação entre as condições da moradia e o desempenho escolar: estudo com crianças residentes em cortiços. Tese de doutorado. São Paulo: FAU-USP, 2009.

(*) Luiz Kohara é membro do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, engenheiro-urbanista e pós-doutorando FAU/FAPESP.



Texto de Luiz Kohara - http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Direitos-Humanos/Corticos-o-mercado-habitacional-de-exploracao-da-pobreza%0d%0a/5/25899

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