segunda-feira, 7 de outubro de 2013

UM DEBATE SOBRE A POBREZA

A minha coluna que está hoje na revista Amanhã, encartada no jornal O Globo:

Anoitece no Camboja. Numa aldeia muito pobre, num barraco improvisado de madeira, o menino Pisey, de 12 anos, ajuda sua irmã de 5 a se banhar com uma pequena lata de banha. A mãe Neang, uma mulher de 36 anos, aidética e grávida, precisou deixar sozinhas as duas crianças para ir ao médico usando uma espécie de mototaxi. Antes de sair, pediu ao filho que cuidasse da menina e prometeu trazer um doce. A pequena chorou e foi consolada carinhosamente pelo irmão. Pisey não está na escola porque precisa catar lixo para a família sobreviver, já que o pai, que vivia arranjando amantes e batendo em sua mãe, abandonou a família. Pisey conta isso chorando, com um olhar adulto. Naquele dia, Neang voltaria mais tarde. Dias depois, internou-se de vez para ter outra filha, LyLy, que morreu com dois meses de causa ignorada. No Camboja, a expectativa de vida é de 65 anos e uma criança, quando nasce, tem mais chance de ser desnutrida do que de frequentar a escola. Neang e Pisey são dois personagens do documentário “Bem-vindo ao Mundo” que o Canal Futura vai apresentar na segunda-feira, dia 26, às 21h30m. E faz parte de um megaprojeto chamado “Por que pobreza? (Why poverty?), da ONG internacional Steps International. Este é o segundo filme da série, que começa no dia 25, domingo, com a animação “A História da Pobreza”.

“Bem-vindo ao Mundo” tem cenas bem fortes. É difícil ver crianças serem tiradas mortas das barrigas de mulheres semimortas ou assistir a dor de mulheres que chegam aos hospitais, dias depois de entrarem em trabalho de parto, já com o útero em frangalhos e com morte iminente. Mas, mais difícil ainda, é tentar responder à pergunta-chave: “Por que pobreza?”. A ideia dos documentários é justamente tentar fornecer subsídios para essa reflexão. Na série de entrevistas que vão permeando as imagens, surge uma dica indiscutível: dinheiro tem, o que falta é distribuí-lo.

Dados recentes dão conta de que 130 milhões de bebês nascem a cada ano mas, dependendo do lugar onde nascem, a criança já pode se considerar vitoriosa ou semimorta. “Eu terei muitos filhos porque sou pobre. Talvez um deles se torne alguém importante e me tire da pobreza”, diz uma personagem. Essa imobilidade social lembra o sistema feudal dos séculos X a XII, quando as pessoas nascidas numa família viravam posse de senhores e nunca mais conseguiam sair dessa situação. É uma realidade com a qual precisamos conviver hoje, na era globalizada. E está, assim, aceito o desafio proposto pelo programa de documentários que termina em dezembro: fazer refletir.

“Bem-vindo ao Mundo” mostra histórias sofridas de mães em três lugares: Serra Leoa, na África; Camboja, na Indochina e Estados Unidos. Sim, a maior potência do planeta está em apuros com relação à sua crescente taxa de mortalidade materna e ao número de crianças desabrigadas em seu território: 1,6 milhões, segundo dados mais recentes. A mãe americana do filme se chama Starr, tem outros três filhos e atualmente é uma sem teto porque perdeu a casa na crise de 2008. Já perto de dar à luz, ela e o marido procuram ajuda no centro que faz Pré-natal para mulheres desabrigadas. Com as sacolas de plástico cheias de roupinhas e fraldas, os dois andam pelas ruas de cabeça erguida: “Nunca pensei que isso pudesse acontecer comigo, mas aconteceu”. Há 22 anos, diz a diretora do Centro, Marta Ryan, eram 72 mulheres atendidas por ano e hoje são mais de 500.

Em termos de mortalidade infantil, segundo o documentário, o melhor país para se nascer é Cingapura e o pior é Serra Leoa. A personagem africana, Hawa, mora numa aldeia chamada Bengie e tem 25 anos. A parteira da aldeia se queixa porque o governo decidiu terminar com os partos feitos em casa e parou de mandar suprimentos ao local. Mas sempre é possível driblar o comando e foi o que a parteira fez. O filho de Hawa nasceu em suas mãos, saudável, e assim começou sua luta pela sobrevivência. Michael, nome dado ao menino, tem sobre os ombros uma forte desvantagem: em seu continente, 82 a cada mil bebês morrem antes de completar 1 ano. Na Europa, essa relação é de 6 para cada mil.

Por sorte conseguimos ampliar no mundo o acesso a este tipo de documentário, que recomendo fortemente. É informação in natura.


Amélia Gonzalez (http://oglobo.globo.com/blogs/razaosocial/posts/2012/11/20/um-debate-sobre-pobreza-475658.asp)


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