Super-Heróis e a filosofia - Verdade, justiça e o caminho
socrático
O
que o mundo colorido dos super-heróis tem em comum
com o universo sisudo e complexo da filosofia? Para o pesquisador William Irwin e seus colaboradores,
muita coisa. Partindo de histórias conhecidas, como as do Homem-Aranha,
Superman e Quarteto Fantástico, um grupo
seleto de autores debate as questões filosóficas e de sabedoria que residem
ocultas em muitas vezes ingênuas histórias em quadrinhos de heróis fantasiados.
Coisas que nós leitores não prestamos a devida atenção em meio aos
lugares-comuns desse gênero que já faz parte do imaginário coletivo.
Como
em toda coletânea, há artigos melhor acabados, capazes de despertar no leitor
questionamentos não apenas sobre o que há escondido por trás dos colantes dos
super-heróis, como também sobre como funciona o nosso próprio inconsciente com
relação às nossas fantasias ao poder. Nesses momentos, o livro se mostra uma
agradável surpresa, levantando questões éticas, morais e sociais embasadas em
teorias de filósofos como Sócrates, Platão, Kant e Kierkegaard,
entre diversos outros.
Infelizmente,
alguns dos textos mais fracos são exatamente os assinados por autores de
quadrinhos, como o escrito por Jeph Loeb junto com um dos organizadores
da coletânea, Tom Morris.
O texto se resume a um apanhado de conselhos moralistas, sem entrar muito fundo
nos aspectos filosóficos. Dennis O´Neil,
autor do Guia oficial DC Comics: Roteiros,
acaba se saindo um pouco melhor, dando um toque de bom humor ao tema. Há também
escorregões como o do artigo "Por
que os super-heróis devem ser bons?", que usa a heroína Tempestade (dos X-Men) como exemplo de heroína
perfeita, tendo com base a sua unidimensional versão cinematográfica
(interpretada pela atriz Halle Berry)
em vez de explorar esse aspecto indo direto na fonte real: os quadrinhos. Mas
não são deslizes que tornem a leitura um problema. Os acertos e descobertas da
grande maioria dos textos é de instigar a curiosidade do leitor.
Um
bom exemplo dos ensaios interessantes que compõem o livro é o texto de Tom
Morris, intitulado "Deus, o Diabo e Matt Murdock", em que o autor
disseca a fundo os traços de personalidade do alter ego do Demolidor, reconhecendo padrões de
comportamento católicos em conflito com a vida que o personagem leva. Partindo
de situações coerentes estabelecidas principalmente por Frank Miller e Kevin Smith em diferentes fases, Morris
explica como a filosofia católica aparece nos atos de Murdock, um personagem
complexo e cheio de angústias e contradições, mas também dotado de uma
motivação altruísta sem paralelos.
Outro
ponto alto é o texto "O Quarteto Fantástico como família: O maior de todos
os laços", deChris Ryall e Scott Tipton, em que a relação
entre cada um dos membros dessa família é dissecada de forma tão clara que é
possível encontrar paralelos com a sua própria família durante a leitura. Além
desses, a série de artigos sobre "Super-heróis e o dever moral",
levanta questões éticas muito interessantes: por que os heróis são bons?; se
eles realmente devem sê-lo; sua moral e a questão da responsabilidade. Análises
estas, feitas sempre se pensando nas questões que fazem parte do nosso cotidiano
e não são apenas um exercício de imaginação a respeito de super-seres
coloridos. Citações e reflexões sobre Watchmen, O Reino do Amanhã, Cavaleiro das Trevas e Crise nas Infinitas Terras revelam aspectos do
heroísmo e da própria existência humana em situações extremas.
O
título vem se juntar ao acervo de obras similares lançadas pela editora, que
possui vários outros livros com ensaios filosóficos tendo como ponto de partida
ícones pop como Harry Potter, Star Wars, Matrix, A Família Soprano e Buffy - A caça-vampiros.
Infelizmente, a versão nacional do livro não faz bonito ao promover seu
produto. A começar pela capa, que utiliza os personagens da Liga da Justiça da versão animada, não
despertando, numa olhada rápida na prateleira, credibilidade aos assuntos
discutidos em seu conteúdo. A ilustração é claramente calcada em material
promocional da DC, fato não mencionado nos créditos. Iconograficamente o livro
também é muito pobre, pois fragmenta a mesma imagem para ilustrar cada
capítulo, chegando até mesmo ao cúmulo de publicar a imagem do Super-Homem com
o "S" invertido. Sem falar que ilustrar tópicos sobre os heróis da
editora Marvel com personagens da DC Comics é, no mínimo, um erro
desnecessário.
Também
é importante salientar a falta de interesse da tradução em pesquisar um pouco a
respeitos dos personagens que compõem o livro. Praticamente todos os quadrinhos
citados já foram publicados no Brasil, mas estão todos citados em inglês
(inclusive as referências bibliográficas remetem apenas às edições americanas),
o que pode dificultar o entendimento de quem não é familiarizado com os últimos
20 anos de HQs de heróis publicadas no Brasil. Não bastasse isso, quando se
arrisca, a tradução não poderia ser mais equivocada. O extraterrestre conhecido
por nós como o Vigia,
foi rebatizado de Observador (nome que só teve na primeira
dublagem brasileira dos desenhos
desanimados da Marvel)
e a Fortaleza da Solidão do Super-Homem virou Fortaleza da Solitude. Fora os
escorregões feios, como rebatizar a simpática tia May (do Homem-Aranha), de tia
Mary. Ou seja, o livro merecia um tratamento mais cuidadoso e alguma
consultoria.
Mas
se ignorarmos esses deslizes, encontraremos um material muito proveitoso.
Afinal, em muitos casos, a análise supera em muito as intenções originais dos
autores dos quadrinhos. Ou seja, ao analisarem as implicações filosóficas, os
pensadores reunidos no livro descobrem nuances talvez nunca imaginadas pelos
próprios roteiristas, o que demonstra a riqueza e coerência de muitas criações.
Após a leitura, termos como teísmo, utilitarismo e existencialismo podem
ficar tão familiares quanto kriptonita, multiverso e raios cósmicos.
Em
suma, o livro é uma leitura altamente recomendada não só aos curiosos, mas
também aos roteiristas que produzem HQs de qualquer gênero, graças à reflexão
séria proposta a respeito dos motivos que levam esses personagens a
sobreviverem por tantas décadas. Caso
a esmagadora maioria de roteiristas medíocres que teimam em queimar personagens
de grande potencial em batalhas fúteis parasse para entender as complexas
questões que povoam as entrelinhas (ou entre-quadros) dos quadrinhos dos
vigilantes mascarados, certamente o leitor ganharia bastante ao encontrar nas
bancas quadrinhos que realmente unem arte, entretenimento e (por que não?)
questionamento.
ALEXANDRE NAGADO E JOSÉ AGUIAR
Fonte:
http://omelete.uol.com.br/games/artigo/super-herois-e-a-filosofia-verdade-justica-e-o-caminho-socratico/
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